Este artigo informativo, elaborado pela redação da Infowine, foi extraído do webinar “Wine Dealcoholization: State of the Art and Effects on Chemical Composition“, ministrado pela professora Maria Tiziana Lisanti da Universidade de Nápoles Federico II.
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A crescente procura por um estilo de vida mais saudável e consciente está a impactar o setor vitivinícola, incentivando a investigação e a indústria a produzir vinhos com baixo teor alcoólico ou até mesmo sem álcool. No entanto, a desalcoolização do vinho apresenta um desafio técnico complexo, com efeitos significativos nas características sensoriais e na estabilidade do produto final. Neste artigo, exploramos as diversas técnicas de desalcoolização, os seus efeitos na qualidade do vinho e os problemas associados, tendo como base o conhecimento mais recente e as experiências práticas na área enológica.

O que é a Desalcoolização do Vinho?

A desalcoolização é um processo que permite a remoção do álcool do vinho através de técnicas específicas. O objetivo pode ser obter vinhos com um teor alcoólico moderado (10-12% vol.) ou eliminar o álcool por completo, criando os chamados vinhos NoLo (“no” e “low” alcohol). Trata-se de um processo complexo, pois afeta não apenas o teor alcoólico, mas também as características organolépticas, a estabilidade e a identidade do vinho.

Papel do Álcool na Qualidade do Vinho

O álcool desempenha um papel fundamental no vinho, contribuindo para o corpo, as sensações em boca e a perceção de calor, além de influenciar o aroma, o gosto e a estrutura geral. Qualquer alteração no teor alcoólico tem um impacto direto nos aspetos qualitativos do vinho. A obtenção do equilíbrio desejado entre o teor alcoólico e a preservação da qualidade organoléptica requer conhecimentos aprofundados dos processos enológicos.

Causas do Aumento do Teor Alcoólico no Vinho

Nas últimas décadas, o teor alcoólico dos vinhos aumentou globalmente, com um aumento médio de 0,2 a 1,3 grau álcool. Este fenómeno é sobretudo atribuído a fatores relacionados com as alterações climáticas.

Alterações Climáticas e Fenologia da Videira

1. Maturação Precoce: As temperaturas mais elevadas aceleram a maturação das uvas, resultando numa maior acumulação de açúcares e, consequentemente, em níveis mais elevados de álcool após a fermentação.
2. Compromisso com a Qualidade: Embora a vindima antecipada possa reduzir o teor alcoólico, muitas vezes resulta em vinhos com menor complexidade aromática e qualidade, o que contribui para diminuir a sua atratividade no mercado.
3. Preferências dos Consumidores: Apesar do aumento nos níveis de álcool, os consumidores modernos procuram vinhos com um teor alcoólico mais baixo, em sintonia com as tendências de um estilo de vida mais saudável. Este contraste realça a importância de encontrar soluções que equilibrem o teor alcoólico com a preservação das características sensoriais.

Fatores que Influenciam a Procura por Vinhos com Baixo Teor Alcoólico

A procura de vinhos com baixo teor alcoólico é impulsionada por diversos fatores:
Consciencialização sobre a saúde: O interesse crescente pelos efeitos do álcool na saúde aumenta a procura de vinhos mais leves.
Controlo calórico: A ingestão calórica proveniente do álcool é um critério de escolha para consumidores preocupados com a saúde.
Flexibilidade de consumo: Vinhos com baixo teor alcoólico permitem que os consumidores desfrutem da bebida sem os efeitos do álcool, tornando-os adequados para ocasiões como, almoços de trabalho ou encontros informais.

Técnicas de Desalcoolização do Vinho: Abordagens e Inovações

A desalcoolização pode ser realizada por diversas técnicas, cada uma com vantagens, limitações e impactos na qualidade do vinho. Esses métodos dividem-se principalmente em duas categorias: técnicas por destilação e técnicas por membrana.

Técnicas por Destilação (sob vácuo)

Os métodos de destilação são utilizados para separar o etanol do vinho, explorando a diferença de temperaturas de ebulição entre o etanol e a água, principal componente do vinho. Para preservar a qualidade do vinho, essa destilação ocorre sob vácuo, ou seja, a pressão reduzida, o que permite que o etanol entre em ebulição a aproximadamente 40 °C, minimizando o impacto nos demais compostos do vinho.

Coluna de cones rotativos (Spinning Cone Column – SCC): neste processo, cones fixos e rotativos de aço são dispostos dentro da coluna. À medida que o vinho desce pela coluna, forma-se uma camada fina na superfície dos cones, onde ocorre uma destilação eficiente e rápida do etanol. Uma das vantagens desta técnica é a possibilidade de recuperação da fração aromática, que é separada a uma temperatura de cerca de 30 °C e posteriormente reintegrada ao vinho desaromatizado e desalcoolizado, permitindo preservar os seus aromas e características sensoriais.

Técnicas por Membrana

Estas técnicas utilizam membranas semipermeáveis porosas para separar o etanol do vinho. Apesar dos esforços para as tornar altamente seletivas em relação ao etanol, outras moléculas e compostos voláteis também podem atravessá-las.
Osmose inversa (RO) e nanofiltração: consistem na separação do etanol sob pressão, com uma destilação subsequente da mistura de água e etanol, que é reintegrada no vinho filtrado.
Gradiente de Concentração: a separação ocorre através do contactor de membrana, devido à diferença de concentração de etanol entre o vinho e um fluido extrator, o que permite preservar os compostos aromáticos e economizar energia.

Vantagens e Desvantagens das Técnicas de Desalcoolização

Vantagens
1. Controlo preciso do teor alcoólico: Flexibilidade para alcançar níveis específicos de álcool.
2. Versatilidade: Aplicável a diversos tipos de vinho, como tintos, brancos e espumantes.

Desvantagens
1. Perda de Aromas Voláteis: Tanto na destilação como através de membranas; ésteres, terpenos e outros compostos aromáticos podem ser perdidos.
2. Alteração do Perfil Sensorial: A desalcoolização modifica o equilíbrio entre doçura, acidez e corpo, resultando numa perceção mais intensa de acidez e adstringência.
3. Estabilidade Microbiológica: A redução do etanol aumenta o risco de contaminação por microrganismos.

Efeitos do Teor Alcoólico no Perfil Sensorial do Vinho

O teor de álcool tem um impacto significativo nas características sensoriais do vinho, influenciando o gosto, o aroma, o volume e redondez em boca e a bebida em geral.

Alterações do Gosto e das Sensações em Boca

Amargor e Doçura: O álcool contribui para a perceção do amargor, da doçura e da estrutura do vinho. Ao reduzir os níveis de álcool, os vinhos tendem a parecer mais ácidos e menos doces, diminuindo a sensação de plenitude na boca.
Adstringência e Acidez: A adstringência e a acidez tornam-se mais dominantes em vinhos com níveis mais baixos de álcool, especialmente em vinhos tintos, nos quais os taninos desempenham um papel crucial. Esta variação pode fazer com que os vinhos desalcoolizados sejam menos equilibrados e mais agressivos.

Impacto Aromático

O teor alcoólico influencia a volatilidade dos compostos aromáticos. Em geral, o álcool “suprime” o aroma da maioria das moléculas voláteis do vinho, como notas frutadas e florais, ao mesmo tempo que aumenta a sua volatilidade e intensifica a perceção de notas herbáceas ou de moléculas como o linalol e o 3-mercapto-1-hexanol.

Resultados da Investigação: Estudo sobre o Impacto da Desalcoolização

De um modo geral, à medida que a concentração de álcool diminui, há sempre uma perda de compostos voláteis proporcional ao nível de desalcoolização. Os ésteres, responsáveis pelos aromas frutados, são os principais compostos perdidos, até à perda total de moléculas voláteis. As alterações no perfil sensorial devem-se não apenas à perda de moléculas voláteis, mas também à eliminação de etanol. Por outro lado, os parâmetros químicos básicos (acidez, açúcares, pH, etc., bem como a fração polifenólica) não sofrem alterações ou apenas ligeiras alterações.
Os estudos sobre os efeitos da desalcoolização em vinhos tintos e brancos indicam que reduções de até 20% no teor alcoólico original não resultam em perdas significativas de qualidade. Reduções maiores, no entanto, provocam mudanças evidentes no aroma e na sensação gustativa, especialmente nos vinhos tintos. As análises sensoriais, incluindo testes triangulares com painéis treinados, confirmam esses resultados, mostrando que os vinhos desalcoolizados até 20% mantêm a preferência do consumidor, ao passo que reduções superiores podem ter um impacto negativo.

Desafios e Oportunidades na Produção de Vinhos com Baixo Teor Alcoólico

A procura crescente de vinhos com baixo teor alcoólico representa uma oportunidade de inovação, mas também suscita diversos desafios. À medida que a tecnologia de desalcoolização evolui, torna-se cada vez mais importante preservar a qualidade do vinho e garantir uma produção sustentável.

Principais Desafios

1. Preservação da Qualidade Organoléptica: As técnicas atuais têm limitações ao nível da capacidade de manter o perfil sensorial do vinho, especialmente os aromas mais delicados.
2. Estabilidade Microbiológica: O álcool atua no vinho como agente de estabilização, protegendo-o da contaminação microbiológica. Nos vinhos com baixo teor alcoólico, o risco de contaminação microbiológica é maior.
3. Aspetos de Regulamentação e de Rotulagem: Diferentes normativas definem e regulam os vinhos desalcoolizados nos diversos países. A conformidade com esses padrões é essencial para aceder ao mercado, mas pode limitar a flexibilidade produtiva.

Oportunidades para o Futuro

1. Procura por Produtos Saudáveis: O interesse contínuo pelo bem-estar e pela saúde cria uma oportunidade significativa para os vinhos NoLo.
2. Avanços Tecnológicos: A investigação sobre novos materiais de membrana e a otimização dos parâmetros de processo prometem melhorar a manutenção dos aromas e reduzir a perda de qualidade.
3. Sustentabilidade do Processo: O Desenvolvimento de métodos de desalcoolização com menor consumo de água e energia pode tornar essas técnicas mais sustentáveis, respondendo às crescentes preocupações dos consumidores com o impacto ambiental.

Conclusões: Estratégias Integradas para uma Desalcoolização Eficaz

À medida que as técnicas de desalcoolização são otimizadas, torna-se cada vez mais necessária uma abordagem integrada para produzir vinhos de elevada qualidade com baixo teor alcoólico. A combinação da gestão da vinha com uma desalcoolização direcionada pode ajudar a alcançar resultados ideais, minimizando o impacto sensorial.

Abordagens Estratégicas para a Desalcoolização

1. Regulação do Nível de Açúcar na Uva: Técnicas como a vindima precoce, a gestão da parede vegetativa e a seleção de porta-enxertos específicos podem reduzir os níveis de açúcar na uva, resultando num vinho com teor alcoólico mais baixo.
2. Gestão da Fermentação: A seleção de estirpes de leveduras com baixo rendimento em etanol e o ajuste das condições de fermentação podem controlar ainda mais a produção de álcool.
3. Desalcoolização Seletiva: A aplicação de um processo de desalcoolização direcionado para vinhos destinados a uma redução moderada de álcool permite preservar um perfil sensorial mais equilibrado, especialmente nos vinhos em que a desalcoolização total não é viável.

Reflexões Finais: Explorando o Mercado de Vinhos NoLo

O mercado de vinhos NoLo é um território interessante, mas alcançar um equilíbrio entre as expectativas dos consumidores e a qualidade do produto continua a ser um desafio. Embora a desalcoolização parcial seja eficaz na produção de vinhos com baixo teor alcoólico sem alterações sensoriais significativas, a produção de vinhos sem álcool exige inovações adicionais. A desalcoolização implica também uma revisão da estabilidade do vinho e da segurança microbiológica, já que a ausência de álcool aumenta os riscos de contaminação. Em última análise, os avanços tecnológicos, de investigação e regulação desempenham são cruciais para uma integração eficaz dos vinhos NoLo nas linhas de produção.

Para uma exploração mais aprofundada destes temas, incluindo dados experimentais específicos e detalhes de processos, convidamos os leitores a ver a gravação completa do webinar, que oferece um guia abrangente sobre a ciência e a prática da desalcoolização de vinhos.