Os cristais de tartarato (bitartarato de potássio e tartarato neutro de cálcio) que aparecem naturalmente no vinho são a maior causa de precipitados em garrafa (Figura 1). Existem vários formas possíveis para o tratamento da estabilidade tartárica, nomeadamente técnicas extrativas (frio, resinas de troca iónica e eletrodiálise) e aplicação de coloides protetores (ácido metatartárico, goma arábica, manoproteínas e carboximetilcelulose de sódio).

Figura 1. Precipitação de bitartarato de potássio em vinho branco

Desde agosto de 2009 (Reg. UE n.º 606/2009) que a carboximetilcelulose de sódio (CMC) pode ser usada na prevenção da precipitação tartárica até 100 mg/L e, mais recentemente (Reg. UE, n.º 934/2019) até 200 mg/L. A CMC é produzida a partir de celulose que provém da madeira por reação com o ácido monocloroacético em meio alcalino. Por conseguinte, a CMC é um derivado da celulose obtida pela esterificação dos grupos primários de álcool das unidades de glicopiranose unidas por ligações β (1-4) (Figura 2).

A CMC utilizada na enologia pode ser obtida com diferentes graus de substituição (GS – número de unidades de glicose substituídas por grupos carbonilo em relação ao número total de unidades de glicose) e diferentes graus de polimerização (GP – comprimento da cadeia) ou seja, o número médio de unidades de glicose por polímero molecular [2, 3]. Para uma CMC com um dado GP, quanto maior o GS maior é o número de pontos de junção (âncora) e, consequentemente, maior é a sua eficiência como coloide protetor [4].

Nos vinhos com elevada instabilidade tartárica, associados a altos níveis de potássio e ácido tartárico, o uso de CMC com GS elevado pode ser vantajoso. No entanto, é necessária uma compreensão mais profunda da relação estrutural da CMC com o vinho para escolher a CMC ideal para cada vinho [5].

Figura 2. Estrutura molecular da CMC (Raquel Guise et al.2014)

De acordo com Crachereau et al. (2001), a molécula CMC apresenta carga negativa ao pH do vinho e, por isso, interage com a superfície eletropositiva dos cristais de bitartarato de potássio (THK), onde estão acumulados os iões de potássio, inibindo o seu crescimento. A CMC também pode complexar com o potássio diretamente, diminuindo o número de iões livres para o crescimento de cristais [5].

A instabilidade dos sais tartáricos (sais de potássio e cálcio de L- (+) ácido tartárico) no vinho é um problema muito comum para os enólogos. A concentração de iões de tartarato de hidrogénio, potássio e cálcio pode exceder a solubilidade total para o bitartarato de potássio (KHT) e para o tartarato de cálcio (CaT). No mosto, o bitartarato de potássio (KHT) é geralmente solúvel, no entanto, a produção de álcool durante a fermentação, as alterações do pH e as diferentes operações de vinificação podem diminuir a solubilidade [1]. Isto pode levar à precipitação sob a forma de pequenos cristais (Figura 3) e deposição destes no fundo das garrafas ou na rolha. Por conseguinte, no vinho, a solubilidade de bitartarato de potássio ou do tartarato de cálcio [6] altera-se devido a diversos fatores como a concentração de álcool, pH, temperatura de armazenamento de vinho e concentração de outros catiões e aniões [1].

Figura 3. Bitartarato de potássio na presença de ácido metatartárico (A) e CMC a 100 mg/L (B) (100x) (SAI, 2014).

O pH influencia a concentração de cada espécie de ácido tartárico encontrado no vinho. A distribuição das diferentes espécies de tartarato de acordo com o pH é mostrada na Figura 4. A concentração de ácido tartárico diminui com o aumento do pH, resultando num aumento da concentração de iões de tartarato de hidrogénio (TH) e de tartarato (T2-). Numa solução aquosa, a precipitação máxima de bitartarato de potássio ocorre a valores de pH de 3,69. O tartarato de cálcio mostra valores apreciáveis de fração molar a valores de pH de 5,00.

Resultados

Abaixo estão representados os resultados do poder estabilizante do SAIstab®CMC5 (CMC a 5%) e SAIstab®CMC10 (CMC a 10%) em vários vinhos brancos com diferentes graus de instabilidade e origens geográficas. O poder de estabilização da CMC foi verificado pelo teste de mini-contacto (Tabela 1), sendo que vinhos muito estáveis apresentação variações de condutividade inferiores a 30 µS/cm.

Tabela 1. Relação entre valores de Δ condutividade (mini-contacto) e grau de estabilidade.

O efeito estabilizante do SAIstab®CMC a 5% e 10%, numa concentração efetiva de 100 mg/L da CMC pode ser observado na Figura 4. Na Tabela 2 e Figura 5 observa-se diferentes vinhos brancos, de diferentes origens geográficas e com diferentes graus de instabilidade. A partir desses dados verifica-se que a CMC nos vinhos brancos é muito eficiente, no entanto, tem de haver uma garantia prévia de estabilização proteica dos vinhos, sem qualquer risco de aumentar a instabilidade de cálcio no vinho.

Figura 4. Estabilização tartárica utilizando soluções de CMC líquidas a 5% (CMC5) e 10% (CMC10) em três vinhos diferentes (resultados obtidos por teste de mini-contacto) (SAI, 2013).

Mesmo em vinhos previamente estáveis ao nível proteico, é importante testar a estabilidade proteica após a aplicação da CMC (em laboratório), uma vez que alguns vinhos apresentam uma interação significativa entre CMC e proteínas, tornando-os novamente instáveis, o que pode obrigar a uma clarificação com bentonite para reduzir o teor de proteína. A fração proteica dos vinhos brancos é altamente variável em termos quantitativos e a sua carga elétrica varia muito em função do pH do vinho. Normalmente, as proteínas do vinho branco têm uma carga positiva ao pH de vinho, enquanto a CMC tem uma carga negativa, pelo que a interação das duas frações é muitas vezes inevitável.

De acordo com Bowyer et al. [7] a adição da CMC a vinho branco não produz uma modificação química do vinho, uma vez que não existem alterações de pH, ácido tartárico ou características sensoriais, ao contrário da estabilização pelo frio ou dos processos de eletrólise.

Tabela 2. Estabilização de vinhos de diferentes Denominações de Origem, usando CMC com DP – 19,8 kDa e DS – 0,77 (SAI, 2019).
Figura 5. Efeito estabilizante de SAIstab®CMC5 e SAIstab®CMC10 em vinhos brancos (SAI, 2014)

Para a utilização de CMC, o vinho deve estar “bottle ready”, o que significa que os parâmetros habituais de engarrafamento, tais como turbidez, estabilidade e filtrabilidade, devem estar dentro das especificações (Figura 6), sendo este aditivo normalmente adicionado ao vinho imediatamente antes do engarrafamento [7]. No entanto, se for necessária uma fase de filtração após a adição de CMC, é aconselhável escolher as preparações líquidas de CMC, uma vez que demonstram uma maior solubilidade e menos problemas de viscosidade, influenciando o processo de filtração.

Figura 6. Filtrabilidade de um vinho branco da DO Vinho Verde adicionando 100 mg/L de quatro CMCs comerciais diferentes. Pressão de filtração de 2 bar com filtro de membrana de 0,65 µm e porosidade de 47 mm de diâmetro (SAI, 2013).

No entanto, estudos anteriores mostram que a filtrabilidade após a adição de CMC não é significativamente diferente da de um vinho de controlo após 4 dias de equilíbrio [8]. Além disso, o vinho não deve ser alterado ao nível físico-químico após a adição de CMC, incluindo realização de misturas, adição de mosto concentrado, chaptalização, ajustes de acidez ou desacidificação [7].

Na Tabela 3 observa-se o desempenho do SAIstab®CMC em vinhos brancos licorosos (CMC não está atualmente autorizado para este tipo de vinho).

Tabela 3. Estabilização tartárica de vinhos com CMC (vinhos licorosos brancos) (CMC não está atualmente autorizado para este tipo de vinho)

Normalmente, com a aplicação de CMC é observado um ligeiro aumento dos níveis de sódio no vinho (Figura 7), uma vez que se trata de carboximetilcelulose de sódio, este é parcialmente libertado no vinho.

Figura 7. Efeito da adição de CMC (4 CMCs diferentes (A, B, C, D) a 50 e 100 mg/l) no teor de sódio em vinho branco (Vinho Verde e Douro) (Fonte: Raquel Guise et al., 2014)

O laboratório da SAI (SAILAB) realiza desde 2009 ensaios de estabilização tartárica de vinhos com aplicação de CMC, tendo realizado milhares de testes em vinhos com resultados muito bons e da máxima segurança.

Considerações finais

A CMC é, sem dúvida, um instrumento válido para a estabilização tartárica dos vinhos, permitindo estabilizar de forma económica, segura e duradoura diferentes tipos de vinhos. A legislação mais recente, surpreendentemente, apenas autoriza a sua aplicação em vinhos brancos, mas pensamos que será possível novamente nos rosés e, talvez mais tarde, novamente nos vinhos tintos, uma vez que muitos produtores o usavam sem problemas. A garantia da estabilização e da segurança da sua aplicação está obviamente relacionada com a qualidade do CMC e também com a experiência na sua aplicação, sendo necessários testes de estabilidade e é vantajoso conhecer a história da interação do CMC com um determinado tipo de vinho ou matriz.

Para mais informações: www.saienology.com
Contato: Filipe Ribeiro filipe.ribeiro@saienology.com

Referencias bibliográficas:

[1] OIV (Organisation International de la Vigne et du Vin). (2012). International Oenological Codex. Edition Officielle, Paris.

[2] Crachereau, J. C., Gabas, N., Blouin, J., Hébrard, B., & Maujean, A. (2001). Stabilisation tartrique des vins par la carboxyméthylcellulose. Bulletin de l’OIV, 841-842.

[3] Stojanovic, Z., Jeremic, K., Jovanovic, S., & Lechnerb, M. D. (2005). A comparison of some methods for the determination of the degree of substitution of carboxymethylcellulose starch. Starch/Stärke, 57:79-83.

[4] Lubbers, S., Léger, B., Charpentier, C., & Feuillat, M. (1993). Effet colloïde protecteur d’extraits de parois de levures sur la stabilité tartrique d’une solution hydroalcoolique modèle. Journal International des Sciences de la Vigne et du Vin, 27:13–22.

[5] Guise, R., Filipe-Ribeiro, L., Nascimento, D., Bessa, O., Nunes, F. M., Cosme, F., 2014. Comparison between different types of carboxylmethylcellulose and other oenological additives used for white wine tartaric stabilization. Food Chemistry, 25:150-157.

[6] Low, L. L., O’Neill, B., Ford, C., Godden, J., Gishen, M., Colby, C. (2008). Economic evaluation of alternative technologies for tartrate stabilisation of wines. Int. J. Food Sci. Technol, 43, 1202−1216.

[7] Bowyer, P., Gouty, C., Moine, V., March, R., & Battaglene, T. (2010). CMC: A new potassium bitartrate stabilisation tool. The Australian & New Zealand Grapegrower & Winemaker, 558, 65–68.

[8] Koenitz, R. (2009). Carboxymethylcellulose zur Kristallstabilisierung. Das Deutsche Weinmagazin 19, 32−33.